Apresentação sobre o HUMANA FESTA em Nova York

Texto da apresentação de Regina Rheda na mesa redonda Novas tendências das escritoras brasileiras no I CONGRESSO DE ESCRITORAS BRASILEIRAS EM NOVA YORK em 14-16 de outubro de 2009.

Boa noite a todos. É uma honra, para mim, fazer parte deste congresso, representando uma das novas tendências das escritoras brasileiras. Moro nos Estados Unidos há 10 anos e sou vegana há 9. Minha transnacionalidade e meu veganismo são dois fatores que têm influenciado bastante a minha ficção. Outro elemento fundamental do meu trabalho é o humor, mas hoje vou me ater só aos outros dois, começando pelo fator transnacionalidade. Ele decorre não só da minha condição de imigrante, mas também do meu fascínio pela diversidade cultural, social, ambiental, etc. como material para criação literária. Foi por isso que a cosmópole São Paulo, onde vivi durante mais de 30 anos, me inspirou a estrear na literatura de ficção com o livro de contos Arca sem Noé – histórias do edifício Copan, que foi publicado também em inglês, num volume da University of Texas Press. Depois escrevi o romance Pau-de-arara Classe Turística, com um tema transnacional, em que uma personagem pícara brasileira tenta virar cidadã europeia, aventurando-se pela Inglaterra e a Itália. O Pau-de-arara Classe Turística também foi traduzido e publicado em inglês no mesmo volume que o Arca sem Noé. O volume se chama First World Third Class and Other Tales of The Global Mix e inclui 3 contos “transnacionais” meus. Um deles, “O santuário”, traduzido como “The Sanctuary”, conta as peripécias de 2 imigrantes, um brasileiro e um mexicano, que estão nos Estados Unidos, trabalhando em um santuário de animais dirigido por um grupo de ativistas veganos. Não sei se todo mundo aqui sabe o que é vegano, ou vegan: vegana é a pessoa que não usa animais como recurso; então ela só se alimenta de produtos de origem vegetal, não usa couro, lã, seda, não frequenta circo, rodeio, zoológico e assim por diante. No conto “O santuário”, eu trato de veganismo e de transnacionalidade ao mesmo tempo. É disso, além de outras coisas, que eu trato também no meu romance mais recente, Humana festa, publicado no finalzinho do ano passado pela Record. Nele, personagens veganos brasileiros e americanos interagem nos Estados Unidos e no Brasil, defendendo os direitos animais, ou seja, defendendo o fim da exploração dos animais pelos humanos. O Humana festa nos dá uma imagem da nossa realidade histórica. No ano passado, durante a Brasa em Nova Orleans, o professor Robert Stam me disse que o assunto “animais” tinha virado um tema quentíssimo nos ambientes acadêmicos e filosóficos europeus. O número de março deste ano da revista PMLA (Publications of the Modern Language Association of America), que é a mais importante revista acadêmica americana sobre estudos literários, foi dedicado principalmente aos “Animal Studies”, trazendo uma série de ensaios sobre o assunto. Alguns desses ensaios mencionam os 2 teóricos mais importantes da defesa animal: o filósofo Tom Regan e o filósofo e advogado Gary Francione, que são contra o uso de animais pelos humanos. (Aliás, eu já traduzi trabalhos do Regan e do Francione para o português). Em julho, no Rio, houve um festival internacional de veganismo, onde fiz uma leitura do Humana festa. A escritora Adriana Lisboa transmite o respeito pelos animais em trechos de sua obra. E a professora e ficcionista mineira Maria Esther Maciel está escrevendo sobre a representação dos animais na nossa literatura, do ponto de vista ético e estético. O próprio Humana festa, meu romance, está sendo tema de um ensaio da professora Alexandra Isfahani-Hammond, da Universidade da Califórnia em São Diego. Mas o que eu acho mais importante é que todo esse interesse pelos animais não fique só no estudo e resulte efetivamente numa prática vegana. Como diz a escritora feminista afroamericana Alice Walker: "Os animais do mundo existem por razões próprias. Eles não foram feitos para os humanos, assim como os negros não foram feitos para os brancos, nem as mulheres para os homens".
Agora vou ler o início do Humana festa:

   -- Fuckin’ animal!
   Megan lançou a Diogo um olhar de lâminas. Ele acabava de cometer o erro de sempre. Tinha chamado de animal um motorista infrator. Megan fez uma marca no bloquinho:
   -- Mais um ponto para mim.
   -- Desculpe, Megan, animal não é insulto, eu sei. Mas, na pressa de xingar, a gente não consegue escolher o vocabulário certo e acaba usando o reacionário.
   Megan suavizou a censura dos olhos, apertou-os no sorriso de namorada. Ela entendia. A maioria das pessoas demora para aprender coisas novas. E Diogo ainda tinha de trabalhar dobrado: falar inglês e evitar a linguagem especista ao mesmo tempo.
   O infrator ultrapassou à direita, pulverizado nos pneus estridentes.
   -- Watch out, you stupid hog! -- gritou o brasileiro.
   Outro corte rápido dos olhos claros. Outro ponto a favor de Megan. Diogo desculpou-se, É a última vez, honey, juro.
   Megan aceitou a desculpa num abraço lateral. Tudo bem, por enquanto, o namorado fazer uma referência desrespeitosa a um inocente porco. O mais importante –- por enquanto -- é que ele não comia mais porco.

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